segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Duas meninas

Talvez a mais velha tivesse confessado o sonho de ser modelo ou actriz de novelas, porventura as duas profissões mais ambicionadas pelas adolescentes de hoje. A mais nova, criança, responde-lhe, passando-lhe vagamente as mãos pelas partes do corpo que menciona: «Para isso vais ter te livrar dos espigos no cabelo, fazer dieta, ir para o ginásio, aumentar os peitos, tirar esse sinal e manter as unhas todas do mesmo tamanho». A última observação provoca-lhe uma risadinha irónica pela farpa que incluiu.
Apesar da linguagem, do conhecimento da matéria, da aparente intimidade com os detalhes que ocupam as candidatas a “estrelas”, a mais nova estava-se claramente nas tintas para o tema. Não parecia desinteressar-se pelos sonhos da irmã adolescente (ou prima, ou amiga), não era isso. Apenas a sua solidariedade, a sua cumplicidade não ia ao ponto de valorizar assim tanto o que quer que exigisse tais esmeros.
Se fosse a mais velha a falar sobre os anseios da menina (bonecas, desenhos animados, amigos imaginários, brincadeiras, corridas ao ar livre), o tom não seria mais paternalista, condescendente, duma cumplicidade carinhosa e interessada mas não totalmente empenhada.
Assistiu-se a uma inversão. As questões da beleza feminina foram naquele momento reduzidas a caprichos infantis, anelos transitórios a que a idade tira importância. A mais nova das meninas mostrava, sem a impor, a sua maturidade. Não se importava de dedicar algum tempo a um assunto pueril, mas simultaneamente percebia-se (ela deixou claro, aliás) que tinha coisas mais importantes de que se ocupar, como por exemplo correr a embrenhar-se mais no parque para aproveitar o bom tempo extra que foi concedido ao país. «O Verão não vai durar sempre!»
No entanto, como sabemos que com a idade não vem necessariamente mais juízo, é possível que daqui a um par de anos também esta menina só se preocupe ao espelho com o aspecto do cabelo e corte sempre as unhas no tamanho que as revistas aconselham. Nessa altura, um Verão que entra pelo Outono não fará parte do estreito leque de coisas que maravilham.