sábado, 8 de outubro de 2011

A sinceridade de António José Seguro

Carlos César anunciou que não se recandidata. «Em nome da ética dos cargos públicos e da ética republicana.» A lei (perniciosa) não o obrigava, mas ele fê-lo, reafirmando voluntariamente a importância da limitação de mandatos, da renovação democrática. Passemos em alto considerações sobre o contexto da decisão e sobre o contraditório segredo mantido de Janeiro até à data. O anúncio é, por si, coerente com o que o governante havia dito há três anos e serve a república da melhor maneira, a do exemplo.

António José Seguro teve, com este anúncio, a possibilidade de se mostrar em sintonia com uma visão desprendida do serviço público, de sublinhar a importância simbólica e prática da decisão do seu correligionário, de enaltecer e destacar um gesto raro. Mas, pelo que ouvi na rádio, o dirigente socialista preferiu outro caminho, o duma triste e reveladora sinceridade. Manifestou «pena» por a decisão de César não ter sido a de se recandidatar, dado o seu perfil, as suas qualidades.

As belas palavras contra a eternização de pessoas nos cargos públicos apenas são válidas quando aplicadas aos outros. No que toca aos nossos, eles podem ficar lá para sempre, não há qualquer interesse em substituir quem tão bem nos serve. A democracia interessa-nos até ao momento em que ganhemos as eleições, depois disso é dispensável.

Se havia dúvidas quanto ao carreirismo de Seguro, quanto à sua “clubite”, elas ficaram hoje esclarecidas. A sua mente formatada para pensar sob a perspectiva da tribo, da facção, não foi capaz sequer de guardar as aparências. A decisão de César estava tomada e divulgada — ele podia elogiá-la, mesmo que por dentro lhe doesse o coração socialista. Mas a língua foi mais rápida do que o pensamento, e Seguro, num exercício de transparência que lhe agradecemos, lamentou publicamente a perda de um ganhador de eleições. O partido agora vai ter de lutar mais para manter o poder no arquipélago e isso, a única coisa que importa a este género de servidores da pátria, é uma chatice, claro. O aprofundamento da democracia não atenua nem um pouco a mágoa “socialista”, não compensa o contratempo que a casta enfrenta. É gente desta espécie que nos governa.