quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A crise e a cultura: manigâncias

O ilusionista Luís de Matos, citado num artigo do JN, vê um lado positivo na crise que (também) afecta o sector cultural: «algumas companhias, cuja razão de existir sempre foi o facto de que certo dia conseguiram passar a ser subsidiadas, vão acabar.»
Aparentemente, este regozijo com o fim de companhias não tem origem num sentimento de injustiça ou inveja, porque no mesmo artigo o ilusionista revela que «só neste ano já fez 40 espectáculos à bilheteira» e, sublinha, «todos com lucro». Luís de Matos não tem portanto razões para cobiçar o famigerado «subsídio». Donde poderíamos concluir que quem se congratula com a extinção de companhias é o cidadão contribuinte que há nele.
Mas não. O seu é um desabafo de agente cultural. Ouçam-no: «A forma como se financia a cultura em Portugal é profundamente desmotivadora para quem trabalha e altamente proteccionista para os chamados subsídio-dependentes». (Luís de Matos trabalha; certas companhias, não, deduz-se.)
Lido com atenção, o discurso do ilusionista revela-se, afinal, apenas mais um lamento pela falta de apoios. Como português genuíno que é, o mágico não se incomodaria com uma ajudinha do Estado. Incomoda-se, sim, com a existência de «companhias que são subsidiadas há mais de duas décadas e, invariavelmente, os seus espectáculos têm 20 ou 30 espectadores». (Não revelou ao jornal se a contagem de cabeças nas plateias, ao longos dos anos, incluiu, generosamente, a do próprio ilusionista.)

Este género de manifestos ocorre com alguma frequência, artistas ou produtores que fazem coexistir no mesmo parágrafo a vaidadezinha pelo sucesso comercial e o lamento pela falta de apoio do Estado. Não notam a incoerência, são verdadeiros artistas portugueses.

Um pouco mais à frente, reforçando a sua perspectiva da crise enquanto bondoso «processo de selecção natural» e a confiança na sua própria fórmula, Luís de Matos diz que «quem faz bem, nada deve temer». Só não explicou o que entende por «fazer bem». Devem as companhias optar pela prestidigitação em vez do teatro ou da dança? Ou acredita o mágico que obteria idêntico sucesso comercial se encenasse Beckett ou mesmo o «imperecível» Shakespeare? Talvez o segredo de ter público para a dança não esteja em levar à cena «O Quebra-Nozes» no Natal, mas em ter o Luís de Matos a interpretar Merce Cunningham ou Pina Bausch. O Estado deveria era despejar dinheiro em produções destas, êxitos garantidos de bilheteira. Quem não pagaria para ver?

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