quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O romance convencional (Liberdade x A Piada Infinita)

Pessoa amiga conta-me que lhe ofereceram recentemente os romances Liberdade (de Jonathan Franzen) e A Piada Infinita (de David Foster Wallace). Percebe-se a escolha: de forma mais ou menos assumida ou por interpostos críticos, ambos os autores (e ambos os livros) foram candidatos à categoria recorrente de o (novo) grande romance americano. Quando a feliz aniversariante mostrou os presentes a um outro amigo, ele teve uma compreensível reacção idiossincrática: «Lê muito a Piada; queimamos já aqui o Liberdade
É certo que Franzen competiria melhor com Wallace se o livro escolhido fosse Correcções. Ou antes: competiria um pouco mais no mesmo terreno de Wallace se o livro considerado fosse este último. Contudo, Liberdade continua a ser um grande livro, ainda que mais convencional.

Há várias razões para não se gostar de Franzen, e ser “mais convencional” parece ser uma delas.
Um post de Nuno Costa Santos, por exemplo, defende que «o romance convencional já não chega lá». E já não chega lá porquê? Porque «não basta a historinhazinha, a trama branda, as personagens bem desenhadas mas sem fogo». Porque «a realidade, contraditória e conflituosa, está a reivindicar atenção». Porque «é necessário assumir o quase sempre evitado "eu" — um "eu" que não é o ego tout court, é um jogo literário arriscado entre a vida e a ficção».
Pelo meu lado, julgo excessivo presumir-se que o romance convencional se define daquela maneira. Talvez aquilo defina um romance fraco, mas não exactamente um romance convencional. O romance convencional terá uma história, uma trama, personagens bem desenhadas — os diminutivos paternalistas e os qualificativos pejorativos excedem a definição. Por outro lado, não seria descabida generosidade considerar que o romance convencional tem tido os seus momentos de aggiornamento, de sábia atenção à «realidade, contraditória e conflituosa», e de assumpção do «eu».
Creio que Costa Santos, como se depreende do resto do seu texto, queria na verdade dizer que, em sua opinião, o romance convencional não tem sabido chegar lá. Ou mesmo que o romance convencional já não tem forma de chegar lá.
E aqui talvez entremos no domínio do estilo e das preferências.
Por ter crescido num tempo e num canto de Trás-os-Montes onde não havia tutores nem escolas literárias ou figuras de referência, tornei-me, julgo que felizmente sem traumas, num tipo ecléctico no que se refere a géneros e estilos. Ou talvez apenas descomplexadamente generoso no que toca a leituras. A verdade é que se rejeito por vezes certos livros não é porque os ache necessariamente maus. É apenas porque estão desacertados comigo (ou, geralmente, eu com eles).

Tendo-me divertido mais com A Piada Infinita e tendo sido mais estimulado por Wallace, não vejo contudo razões para desconsiderar Liberdade ou temer que o “romance convencional” já não sirva. 

2 comentários:

  1. Olá!

    Agradeço antes de mais a superior descodificação e sem diminutivos da minha prosa confusa.

    Resolvo dizer uma coisa apenas para ajudar no gesto. O meu texto, se tivesse sido citado até ao fim, seria um bom contributo para a sua conclusão.

    Ora leia. Ou releia: "Pode-se discordar ou defender a opinião liberal de que a convivência de registos, narrativos e não narrativos, é desejável e permite ao leitor gastronomias literárias complementares. Em todo o caso é pertinente esta emergência, em diferentes territórios do globo, de uma literatura impura ou de uma impura literatura".

    De resto, acrescento apenas que me interessa esta conversa.

    Nuno Costa Santos

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  2. Boa noite.

    Obrigado pelo comentário.

    O seu artigo tem link no meu post, pelo que a minha inépcia na utilização do seu texto para os meus fins pode pode ser deduzida pelos leitores (bem, talvez apenas pelos que são seus "amigos" no Facebook; procurei um blogue com o texto, mas não encontrei).

    Sim, a conversa é boa. E velha, diz o Mário de Carvalho sobre parte dela.

    RAA

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